Daniela Rezende é escritora, poeta e artista educadora. Bacharela em história da arte pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e mestra em letras pela Universidade de São Paulo (USP), nasceu e mora em São Paulo, SP. Publicou textos em diversas revistas virtuais e zines. Teve um videopoema apresentado no 4º Concurso de Videopoesia da Desvairada – Feira de Poesia de São Paulo (2020). Participou do CLIPE – Poesia, pela Casa das Rosas, também em SP (2021). Uma mulher só não faz verão (2022) é o seu primeiro livro, publicado pela Editora Urutau.
gazela
de tanto pular vezes e vezes de cabeça
você ainda vai perder os dois pés
(me disseram)
sobraram os cotocos
os ossos à mostra
para contar a história
imagine a perda da inocência no encontro do corpo com o arame farpado
a impossibilidade de correr
(gazela)
a impassibilidade atenta & alerta
é preciso a gangrena para o corte limpo
é preciso pagar o preço dos pés no caminho
a falta de sangue não é falta de
(pelo contrário)
a sobrevivência é uma bactéria
ㅤ ㅤ se insinua em cada buraco
ㅤ ㅤ subsiste em cada fresta
ruminante
para Fernanda Comenda
rumina
um poema para boi dormir
um poema para boi dormir ligeiro antes
que os homens cheguem com suas facas
que os homens cheguem com suas facas
e abatam as vacas silentes
enquanto os bois dormem ligeiro
e antes dormem ligeiro
e fingem não ouvir os homens
que chegam com facas e arrastam as vacas
que chegam com facas e arrastam
as patas carregadas na lama
silentes
e fingem não ouvir os homens
as facas as vacas que ruminam
enquanto os bois dormem
na lama as patas
e ruminam
poemas entre fardos de grama
enquanto os bois dormem ligeiro
e ruminam os homens antes
ligeiros a grama silentes
e as vacas
ruminantes
e a lama
e os bois e os homens
e as vacas que fingem
no poema
Foto de Luísa Machado.