Bernardo Almeida nasceu em Salvador (Bahia), em 1981. É poeta, jornalista, artista digital, roteirista e compositor. Participou de dezenas de coletâneas literárias. Publicou os livros: Achados e Perdidos (poesia/2005), Crimes Noturnos (poesia/2006 e 2018), Enquanto espero o amanhã passar (poesia/2009), Sem um país para chamar de pátria, sem um lugar para chamar de lar (poesia/2009), LONA (poesia/2011), O vencedor está morto (contos/2013), Arresto (poesia/2016), que também foi editado em Paris (2018), e A utopia do carnaval sem fim (poesia/2020). O autor tem textos traduzidos e publicados na Europa, sobretudo na França e na Croácia.
parcos e porcos
descarno o sol da tua pele ofendida e vazada
pelo orgulho afável da noite sem fim
imaginação desértica a inflar sem sangue
para tudo tornar dispensável
erra o vento que nos move de lugar
empurrando-nos ao contorno inconcluso da morte
choramos como brigam os bons amigos
enterramos pedras no paraíso
como corpos celestes embevecidos
dispensados na cratera
do pó interestelar da manhã
que rejuvenesce na espera –
quando a guerra se esmera
ao enrubescer cretinos e assassinos
progredimos
enquanto a ordem vocifera e determina desalinhos
parcos e porcos, na terra, em desgraça
ditam os caminhos que os fazem prosperar
Autópsia
Caminhamos com os mortos, enquanto expiramos
Esperamos a eternidade e perecemos nos torvelinhos dos anos
Que fogem ao que vivemos, como se eternos fôssemos
Falhamos e nos entretemos, tão logo o erro se faz efêmero
Fosse um raro verso fúlgido a crepitar na órbita do sol
Desalojaríamos o futuro, sem compreender o fulcro das eras
Não sem danos, escalamos a escarpa do astro venerando
Íngreme soluço da inexatidão a vociferar crueldades
Aspergindo, anonimamente, generosidades
Nos maremotos dos ânimos, nas veredas da incompletude
I
Quantas almas em revoada
Na escalada sem tino ou prumo
Ao cimo desconhecido da alvorada
Rediviva frustração iluminada
Na recomposição do ocaso
Na dissimulação do caos
Mas não há fronteiras na eternidade
Nem picos na solidão do infinito
Inconsciência a quedar nos cantos aflitos
Pulverizando a ilusão na razão da humanidade
Fúlgido conflito a derramar saudade
No contraturno da esperança
A morte nos alcança
Festa e dança
Nem todos querem viver
Gólgota
Você procura pelo futuro
no fundo de um cesto de lixo,
pendurado em um poste apagado,
e encontra nada além do rastro
do escuro insensato de dias anteriores
“Ninguém mais compra
badulaques folclóricos”
“Quem vai pagar
pelo que ninguém quer
sequer de graça?”
Quem se apieda e se importa
não frequenta as ruas
nas quais você trabalha
e transborda
Dando informações
imprecisas a turistas,
você ainda
guarda e lava carros
Deambula aturdida
apressando o passo,
sem destino esperado
Na fornalha dos trópicos,
quando o tempo fecha
e a dificuldade aperta,
você pede – e não disfarça
Mas fica injuriada
ao ser confundida
com uma esmoler
Os seus braços inchados
estão completamente atados
às armadilhas da estrada,
tão lotada de bifurcações:
encruzilhadas nas cruzadas da existência
Você é a penitente persistência,
contrastando com a indiferença
de quem já desistiu
Você é um paradoxo,
que encorpa na miséria,
enquanto grassam
as pilhérias de toda a sorte,
a se confortar na tragédia
No repasto, apascento o ânimo
você pena, mas não definha
engorda de barriga vazia
e sorri – recobrando
por um átimo
a consciência
do que poderia ter sido,
se tivesse nascido
em outro lugar
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Foto de Leopoldo Cavalcante.