Hortência Siebra é natural de Itapipoca, no Ceará. Reside entre a capital, Fortaleza, e sua cidade natal. Possui graduação em letras/português, pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente, divide-se entre os estudos e a escrita de contos e poesias.
ANTICRISTO
o baygon, a raquete
contra invasores
acima deles, imune,
o deus da televisão alta
afiada lâmina Cruzada:
captura música,
submete leitura,
subjuga sono.
coroado rei
da hostilidade:
o peso da culpa
o peso do pecado
o peso
a paz sangrando
apregoada na madeira
do rack.
VIAGEM
atrasada, fecho
a mala. pego
a mochila. ando
rápido.
dobro a esquina e
te vejo. gorda, a
areia grudada na
ferida aberta, o
sangue desliza na
perna mais torta.
tens 8 ou 9
anos. choras
muito e não traz
nas mãos o leite,
encomenda da mãe.
sentas na calçada
alta, para não cair
de novo, porque a pressão
baixou, mas isso tu só
saberias depois.
não aparece ninguém.
sento junto a ti, e
tu me olhas assustada (
nunca gostaste de estranhos).
vejo o sangue na tua
perna. e, agora, é minha
pressão que cai
também.
eu só consigo dizer:
“acostuma-te a cair!”
tu me olhas ainda mais
assustada. levanta, sai
andando. chora e dobra
a esquina.
o ônibus chega. corro
até ele. e só paro de correr
quando sento. poltrona 11.
ponho os óculos
escuros. até lá,
são 144,7 km
ㅤ ㅤㅤ de ferida aberta.
CÓDIGO DE RASTREIO
de Minas a São Paulo
de São Paulo a Pernambuco
de Pernambuco
/ no meio do caminho
não tinha pedra,
mas tinha vento.
o velho equívoco
no percurso
do pacote,
da caravela,
que chega sempre: /
a Salvador
e se não fosse o vento?
volta
de Salvador a Pernambuco
de Pernambuco ao
(será que um dia chega ao)
Ceará?
(será?)
ADMOESTAÇÃO
um abraço,
dois desvios.
uma procura,
duas despistas.
a força
que se põe na barra
a persistência
em colecionar recusas
um álbum completo
com figurinhas da ausência
gritos atormentando
o sono de Lázaro
– Chega!
O homem já morreu.
