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5 poemas de Caio Girão

por Caio Girão
Foto de Luísa Machado para ilustrar os poemas de Caio Girão.

Caio Girão nasceu em Fortaleza/CE. Escreve há dezesseis anos, tendo publicado a novela Meus Escorpiões. Alguns de seus textos aparecem em revistas (como Travessa em Três Tempos, Torquato, Jirau), jornais (como Diário do Nordeste e O Povo), exposições (como a THMT-18 Rio) e coletâneas (como o selo Off Flip). Estudou no CLIPE Prosa e CLIPE Poesia (cursos longos ministrados pela Casa das Rosas). Atualmente vive no Rio de Janeiro, com sua esposa, Juliana, e seu cachorro, Demetrius.


Não muito dentro

Porque eu sei tu me disse
porque eu sei que existe mata virgem ainda no mundo
e gente que nunca tocou gente
e bicho que nunca viu gente
assim como gente que nunca viu bicho
porque tu me disse eu sei
que tem cama que só se usa pra dormir
que tem lençol que é feito pra destruir
porque se a gente perde um pouco da gente
antes da hora
quem há de resgatar aquilo que fica?
Eu odeio penetração
eu te disse tu sabe
a penetração é um negócio por demais superestimado
tem muito mais charme a língua
os lábios
essas coisas que a gente usa pra falar
se expressar.
pênis, cu, boceta, a gente só usa pra xixi, cocô e sexo.
Mão, boca e pé não
Mão boca e pé é que a gente usa pra tudo
nessa coisa que a gente chama de vida ou de mundo
mão boca pé (e outras partes)
me parecem
são o êxtase do melhor sexo
pênis cu e boceta deixam muito a desejar
quando se trata


Estatisticamente números não existem

Estatisticamente números não existem
pense nos inteiros, por exemplo,
os que conhecemos
agora pense na reta real de números
entre dois inteiros existem infinitos números
e dois sobre infinito, todos sabem,
no limite é zero.
Pense agora nos quadrados perfeitos
estes escasseiam
à margem da grandiosidade de números imperfeitos
à medida que andamos nos inteiros
(e veja que só falamos de inteiros).
Agora imagine ímpares, pares,
metades de um pouco, de uma fina margem da reta real.
São menos do que metade de zero,
se pensarmos do jeito certo.
Os irracionais abundam
como mesmo deveria ser e se observa.
Mas mesmo os irracionais:
como escrevê-los,
como imaginá-los,
como expressá-los
enquanto tais?
Agora veja: separamos e ordenamos essa selva de coisas e números
em conjuntos
e cada conjunto é uma parte menor
talvez pequena
do que existe.
Há sempre infinitos maiores e menos compreensíveis.
Considere os Complexos,
o infinito real é nulo ao lado do infinito complexo,
então no limite
número nenhum existe
quem sabe
coisa real nenhuma exista


Graxa no nariz

Eu torço ferroviário
Porque meu pai torce ferroviário
Porque o pai dele torce ferroviário.
Talvez eu goste de bicicleta
Porque meu pai tinha uma oficina de bicicleta
Com o pai dele.
E das poucas lembranças que guardo
De quando era criança
É nessa oficina:
Meu pai falando com o pai que
Ria depois de ter colocado um pouco de graxa no meu nariz.
Eu gosto de matemática
Porque meu pai gosta de matemática
Porque o pai dele gosta de matemática.
Eu aprendi com meu pai
Que aprendeu com o pai dele.
E às vezes, desapercebido,
Eu passo o dedo na ponta do nariz
Sentindo um pouco de graxa


A mussitação de um estômago

Porque o medo do abismo é a percepção de estar só.
Caminhar lado a lado à queda
sem mão que apoie, carregue ou simplesmente
se erga numa promessa estúpida de proteção.
A distância se constrói na falta
e é lembrada pelo esquecimento.
A lambida do vento, por sua vez,
me faz lembrar de abraços
que, por confusão do tempo,
se misturam entre os esquecidos, os inventados e os saudosos.
Você me disse que as coisas seriam coloridas,
mentiu.
Abraços são banalizados pelas horas comuns,
pelos maus encontros cotidianos que nos habituamos
a anestesiar.
Abraços são escandalizados pelos dias infinitos,
por este ano que nunca acaba e sequer começou.
Qual distância máxima do espaço apertado entre duas pessoas
que define um abraço?
O abraço em um ônibus lotado
ou
a proximidade de um amor antigo e proibido — cultivado apenas por olhares—
podem ser considerados abraços?
E o contrário de abraço?
A métrica da culpa que floresce nos cantos
mais recônditos de uma consciência combalida
e (preciso dizer, ainda que não quisesse rimar) falida.
A culpa de ser gente,
a culpa vergonhosa de lembranças insólitas
infantis, adolescentes,
de falas descabidas, de gestos incautos.
A culpa de falar, de não falar, de viver, não viver,
não morrer.
Me toca pra ver se toca,
pra ver se ainda tô aqui e existo
e se existo ainda como me imagino ou sou.
A paquera que sobra é a do abismo
e seus augúrios ciciados.
Queda que dá calafrio,
que se avizinha do meu peito.
O olhar que te desperta dos sonhos
são aqueles dois faróis amarelos
refletidos na escuridão,
atrás dos óculos.
Você me disse que só queria se entregar a alguém
e acabou se enganando.
Já eu, por outro meu lado, só queria um carinho
por mais escasso
e desastroso. Me entrego


Os dedos longuíssimos do tempo

Todos os lugares que o tempo marcou,
com sua unha de abrir felicidades, apodreceram,
Todos os dedos do tempo,
dedos de fechar alegrias,
cresceram desproporcionais
ao pequeno corpo impotente do tempo,
Todos os olhos do tempo ficaram cegos
no instante em que paramos para pensar o que buscamos,
Todas as forças do tempo explodiram em desespero
quando entendemos quem somos


Foto de Luísa Machado.

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