Fábio Pessanha é poeta, doutor em Teoria Literária e mestre em Poética (UFRJ). Estuda a obra de Orides Fontela para o pós-doutorado no PPG em Estudos de Literatura (UFF). É autor de na escuta o gatilho (Rizoma Projetos Editoriais, 2023), A forma fugaz das mãos (Patuá, 2021), A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos (Tempo Brasileiro, 2013). Assina a coluna “palavra : alucinógeno”, na Revista Vício Velho.
Do livro na escuta o gatilho (Rizoma Projetos Editoriais, 2023) [1].
douglas de paulo (@douglasdpaulo) –“lua”
lua
aqui estamos. sob o peso do mundo,
que é acima e entre nós, abaixo e
na medida das imperfeições. não
sei dizer se criação tem a ver
com um sujeito pleno de potência
ou se talvez mais perto esteja do
ínfimo do qual somos comunhão.
não sei dizer a exatidão do que
é enquanto sou. não sei o sabor
preciso do que experimento ou do
que deixo quando parto do lugar-
comum de onde penso. mas aqui estamos.
como um satélite, que gravita em
torno de outro corpo, e brilha
renan alvarenga (@renanalvarengapoeta) – “ornitorrinco”
linhagens
metáfora é uma palavra que diz
a singularidade de uma coisa
por referência à outra. heterogênea
porque ela mesma, a metáfora, ocupa
um lugar de transição, transitivo.
olhando com cuidado, dá até para
dizer que o tal composto vivo – o então
humano – é também esse espaço misto.
difícil saber ao certo do que
se fundamenta, por trazer consigo
peste, fé, revolução. mas a gente
cogita ser feito de palavra e
poesia, erro, metamorfose,
metafonia e também uma ou outra
evolução. por tudo que é vivo e
revisto, verbal de voo no que
se diz e é dito, tal como a metáfora
é híbrido, só não põe ovo como
a ave-mamífero ornitorrinco
paula akkari (@akkari.psi) – “outrora”
insight
vou te contar um lance: o antigamente
não existe, é uma invenção vivida
durante o presente. o tempo de agora
é esquivo ao que se mostra, graça do
que passa. a gente faz fotos com a ideia
de conservar a eternidade. filma,
pinta, arquiteta, atrasa como pode
a sina ou sorte. tudo com o desejo
de estar vigente. nem este poema,
nota quântica antimorte, resiste
ao que revela
escavação
escrevo uma carta, poema, e-mail,
envio um pombo-correio a fim de
dizer qualquer coisa além de sintaxes.
partilho contigo: há muita vontade
de cavar ruas no meio do asfalto
almodóvar
um filme do almodóvar
pra te dizer
tá tudo bem,
mas é mentira
[1] Os três primeiros poemas integram a primeira parte do livro, que foram escritos a partir de palavras ou frases enviadas por seguidores do meu perfil no instagram. Como parte do projeto dialogal do livro, fiz questão de mencionar as arrobas das pessoas que contribuíram com a ideia.
Arte: Casario numa rua, de D. Carlos I.