Heitor Freire escreve como quem respira, respira como quem tenta viver e vive como quem nada sabe, nem nunca saberá. Teve poemas publicados na revista Mallarmargens, versões impressa e digital da revista Subversa, no Jornal Plástico Bolha, na revista Desenredos, na revista Zunái. O fenômeno da poesia, como fenômeno da linguagem ou da ontologia ou da psicologia ou da linguística ou etc, pede explicação mas não pede uma resposta final: demanda, antes, vida.
O real porquanto vil
Mallarmé
Uma arvore que nasce numa terra inerte
Antes fechada em suas sementes de tempo.
Abre seus cristais candentes como caules renascidos,
Muda as horas, curva a sinuosidade dos dias.
Nasce uma árvore na terra da linguagem
Sanguínea, lúcida, inseparável pelo solo.
O gosto amargo do sonho na árvore da aurora
Esquecer, de tão próximo,
Um oceano de dúvidas e sombras
Que povoam o assoalho da alma.
Como folhas de amendoeira povoam
O chão batido de solos inférteis.
Destroços de palavras, céus de topázio,
E um oceano de dúvidas embotado.
Pensamentos, ondas, corais nas pedras.
Amar o chão seco como quem ama
Os bosques infinitos do tempo.
A Wilson Vieira
As cinzas no vaso são como um homem
Suas lágrimas antigas como folhas secas
Os olhos como papoulas arrancadas
Um cristal sem cor, o peito escurecido.
O sono dissolve as nódoas da camisa
As cinzas, as pequenas flores, o passado.
Um epitáfio escrito nas pétalas
De um campo de flores mortas
Jasmins como um grande éter
Narcisos divididos, epigramas de seiva,
E uma chuva que escorre, fria,
Nos imensos portões de Auschwitz.
“Os rochedos porém precisam de fendas”
Hölderlin
Como uma pedra gasta, uma folha em branco
Ou um rio vermelho e rude
De sangue e rubi e barro
Surge uma pequena natureza
Sem aquilo que a dê qualquer sentido
Um barulho qualquer confuso aos ouvidos
Uma luz que os olhos esqueceram
Desvelando, por si, imprecisa
As flores de cera da memória
Arte: A Brook in the Forest, de Gustave Courbet.