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ar

por Natália Zuccala
ilustração de Leandro Gretzlak para Natália Zuccala

Natália Zuccala nasceu em São Paulo, em 1990. É autora de “Cheia” (2021, Ed. Urutau), do livro de contos “Todo mundo quer ver o morto” (Ed. Patuá, 2017) e do projeto “Agora estou aqui” (www.agoraestouaqui.com, 2020). Formada em Letras pela FFLCH-USP, é também dramaturga, professora e está em formação como psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientae.


esqueço inadvertidamente 
qual dos meus seios é o maior
– conhecimento que carrego no peito desde que eles tomaram (o) corpo –

palpito as mãos sobre a blusa mas
não consigo reconhecer

amasso os dedos contra a carne
as digitais enxergam glândulas embaixo da pele
as polpas das mãos ensaiam um atrito
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ um arbítrio

nada ainda ainda nada então

os braços arrancam a blusa o sutiã
pesam sua densidade no seio das mãos 
firmes segurando por baixo 
numa balança ilógica 
sinto logo me lembro
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀é o direito

alçada nesta memória
deixo a pele deitar 
sobre a pele e descansar

tateio de olhos fechados
a falta de fronteira entre 
a auréola e o que a circunda

a mama:
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀único pedaço de carne humana cuja função vem estampada no nome
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀único pedaço de carne humana que contém o fantasma de outro atarrachado a si
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀– eu posso nunca sabê-lo para saber, Vinícius – 

cuspo na palma da mão

pressiono contra o mamilo

nem prazer nem dor apenas frio

um sopro de vento invade o quarto:

a cisão que provoca os dias, Santa Águeda, Bárbara e as Amazonas
as Amazonas, Santa Bárbara, Águeda e a cisão dos dias
visitam o peso das minhas tetas sobre minha barriga
depois lavram a muitas mãos meu tórax 
e me mostram 
– com tanta calma uma calma que eu desconheço uma calma –

mostram:

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀por trás das glândulas mamárias, os pulmões
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀por trás do tecido adiposo, os alvéolos
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀por trás da única rosa dos ventos capaz de orientar os homens, o ar

o ar

e o ar asfixiado dentro do ar
sem destino desde o crescimento dos peitos o ar
esquecido num reservatório o ar dentro dos pulmões
oprimindo o ar em silêncio as costelas todos esses anos 
sem nunca morrer ou ser consumido esta pequena parcela de ar

pode enfim deixar o corpo


Ilustração de Gretzlak.

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