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Comunhão

por Luciano Duarte
Fotografia: Mulheres e crianças em frente a casa – Marc Ferrez (Acervo Instituto Moreira Salles).

Alagoano longe de casa, Luciano Duarte tem 26 anos e é doutorando em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB).


Comunhão

Ouço lá fora o chamado
que soa primeiro em língua estrangeira.
Abro espaço por entre as plantas do quintal,
e o mundo lá fora me sorri úmido.

Caminho ao cântico mais estridente,
os grilos que do oitão me chamam.
E da feira de sábado,
recordo conversas que me chegam em ruídos.

Embora me falte o dizer em comum,
triunfo em comunhão:
calangos sob o monturo frio,
pilha que jamais arrefece por dentro.

Almejo o íntimo do outro:
o salto da rã durante a chuva,
o voo da mosca à mesa do almoço,
o olhar do cão que me decifra.


As cigarras

Sempre ao fim da tarde,
o canto das cigarras chega até mim.
Arautas de um mundo estrangeiro,
mal as vejo cortarem voo pelo quintal
e aterrissarem nos troncos das árvores.

Sentado no meu banco de madeira,
acompanho com interesse o canto do fim dos tempos,
e as orelhas do meu gato dobram-se
em sinal de alarmada compreensão.

Nos afazeres do dia seguinte,
encontro carcaças presas nos mesmos lugares;
vestígios de que o mundo persiste.


Estiagem

O canto dos pássaros amanhece o meu dia.
Aquele som no qual me pouso sempre.
Uma catenga atravessa o quintal.
O topo do pé-de-manga permanece estático.

Da porta dos fundos, presencio tudo aquilo com respeito.

Abaixo das árvores, as galinhas ciscam a terra seca pelo de-comer
e conversam enigmaticamente entre si.

Minha contemplação é interrompida por um ronco no estômago.
E peço licença pras formigas que comem minha banda de pão.


Prenúncio

Ouço o rastejar das cobras.
O céu sem nuvens me alumia.
Quem mais viu o salto da rã?

O entardecer então se põe sobre mim
junto à melancolia do canto das cigarras.
O mundo dessa terra jamais silencia.

O breu lá fora me fascina.
Agora ouço a rasga-mortalha
sobrevoando
meu telhado de caibro.

Quem há de findar dentre nós?


Sexta-Feira Santa

Pedimos a bênção de joelhos
e recebemos a proteção
dos que prezam por nós.

Da cozinha,
o labafero das tias cozinhando
que se mistura ao corte das verduras
e ao rapar do coco
que há de virar leite
pro peixe,
pro arroz,
pro feijão,
pro brêdo.

Enquanto esperamos no quintal,
ouvimos do chiqueiro o júbilo dos porcos,
afoitos por viverem mais um dia.

E quando nos sentamos à mesa,
sorrimos ansiosos ao banquete posto.
E os cães famintos que nos seguem
ajoelham-se aos nossos pés.


Fotografia: Mulheres e crianças em frente a casa – Marc Ferrez (Acervo Instituto Moreira Salles).

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