Kaio Phelipe nasceu no Rio de Janeiro em 1997. Estuda biblioteconomia na Unirio, é estagiário editorial no Grupo Editorial Record, colaborador da Mídia Ninja e autor dos livros Todos nós sonhávamos em ser Carmen Miranda, Não existe pecado no lugar de onde eu vim e Para o homem descansando ao meu lado.
Os limites no sudeste do país
Agora iremos para o segundo ano
dessa história atravessada
pela promessa de futuro
ao invés de ser artifício para erradicar a saudade
a tecnologia prolonga o pesar
é chato amar sempre digitando as palavras
com a interferência das indústrias em nossas definições
já te preparei as boas-vindas mil vezes
tantas vezes desfeitas que perdi o gosto por contar
para que serve o amontoado de conhecimento
se não for para defraudar fronteiras e erros telúricos
e o que custa por dois dias
deixar de lado os atos heroicos
pelo cuidado de alguém que te sonha
mesmo no desassossego
é verdade que seu sorriso me alegra
através da parafernalha das telas dos celulares
e são dessas palavras molhadas que preciso
mas além do desassossego
te quero aos amanheceres dos dias
nas paisagens dos céus que trocamos fielmente às oitos horas
e depois como sei dos seus gostos e gestos
aqui poderemos conversar sobre Clarice
se depois deixarmos Clarice de lado
e escutar Luiz Melodia
se depois deixarmos Luiz Melodia de lado
para se atentar aos beijos e às vistas costumeiras
mas nesse dia com a graça de ver de perto o esmalte de seus dentes
o café terá outro gosto
o cigarro não irá matar ninguém por vinte e quatro horas
o sexo depois de questionado será atendido
porque ambas as medidas são extremamente importantes
os amores se concretizarão no gosto do suor do outro
o homem mais bonito de toda a São Paulo
não será mais o homem que por vezes me esquece e me abandona.
Comunicado
Não volte à praia de Parnaioca
não ultrapasse o caminho de Dois Rios
a menos que tenha a sensação
inconfundível e involuntária
pulsando firme
de acordo com seus músculos
não confie nas tardes de descanso nos stories
os desertos estão povoados
de mãos dadas com o pudor
não é mais possível posar nu
não nascerão corpos livres
e as diferenças continuarão insuportadas
agora que as roupas são munidas
contra raios ultravioleta
desconfie dos rostos desconhecidos
não é mais permitido
o uso do banheiro por estranhos
as gentilezas se concentram no máximo
em um cigarro filado por alguém como a amável Sônia
quando logo após ela some no meio da mata
feito um pássaro vermelho
não é possível contar a história de uma cidade
sem levar em consideração a história de seus crimes
não se esqueça das Ruínas do Lazareto
que muito em breve desabarão de vez
e sumirão para sempre em meio aos atentados de uma metrópole
não se esqueça das infrações que correm em liberdade
nós estamos aptos à delinquência
e por isso não construa memória
sobre memória
se não for a troco do sentimento boquiaberto
pela exaltação violenta que te põe fora de si
considere quem habita a poesia
estar em cima de uma lembrança é perigosíssimo
significa deixar para trás algumas paisagens
e deixar para trás é um lugar que nunca existiu.
Desenho de Ariyoshi Kondo.