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O nascimento de Vênus

por Luciana Henrique
Árvore com flores vermelhas ilustrando poemas de Luciana Henrique. Foto de Luísa Machado

Luciana Henrique é brasiliense, de pais cearenses, sagitariana com ascendente em Aquário, do ano de 1983. É poeta e professora de Língua Portuguesa e Literatura no Instituto Federal de Brasília. A poesia movimentou seus estudos no mestrado também é foco atualmente no doutorado pela Universidade de Brasília. Publicou poemas nas revistas literárias Aboio e Mallarmargens e acaba de lançar o livro Quase Nada pela Editora Primata. No perfil @poesialuciana, procura manter sua indisciplina na escrita e na sanidade, misturando poesia, reflexões e humor.


Ato falho

Eu te olho de novo, palavra,
de muito perto,
desfigurada:
tua seiva,
teus fonemas,
a violência convulsa
de tua inércia.

Eu te desenxergo, palavra.
Te uso e te sujo
nos meus dedos que estalam,
nas unhas quebradas
no sangue minando
dos lábios rachados.

Eu te reconheço:
os anéis sobre a pia,
as meias pelo chão,
o mapa
da nódoa de café
na mesa
e vou refazendo a memória
perdida nos meus incêndios.
Desavisada,
me assusto
com os reflexos
me olhando
de outras águas.

Eu te desaprendo, palavra,
janela cega da alma,
mistificação inútil
do que é apenas
bicho planta terra gente,
no corpo sem repouso,
que cala.


Dança

Um corpo
em coreografia invisível
de pequenos movimentos
cegos
agora e agora
de lado de frente de costas
só mais hoje
numa teimosia cansada
em não morrer.

Mesmo a lua ameaça
rasgar a cortina
sem aviso
quarando a alma escura
enrodilhada,
ensaia a faísca
— o corpo pisca.
Um corpo entregue
à pele, à ânsia,
seu maior risco: abrir-se
brusco
em grito em gozo em dor.

Um corpo
galga seus mínimos recursos,
suas memórias ralas,
seus órgãos entre os dedos,
seus medos,
os pavios sempre acesos.
O degredo da flor dentro
do livro,
o sono gago.
Mais um dia, eu
insisto.


O nascimento de Vênus

Viver é um gesto constante
de separação do corpo
da mãe.
O grito estalado dos pássaros
reorienta as fagulhas do dia
A corola acesa dos ipês
varando o ventre
que escorre
torce
o corpo para abrir
a pelve.
A espera
penumbra
treme.
O olho resvalado de Buñuel
me vê dormir,
o martelo,
o sonho volta a ruir
sobre a cabeça.
Os cavalos resfolegaram vermelhos.
A pegada em negativo,
os cacos do espelho sobre o chão.
Uma garganta se abre
do avesso.

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