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Trap ou armadilha, por André Piñero

por André Piñero
Arte: Drawing, Cloud Study, de Frederic Edwin Church.

André Piñero é professor por formação, poeta por tentativa e inúmeras outras ocupações por sobrevivência. Lançou seu primeiro livro, Copo americano, pela Editora Urutau em 2021. Alguns poemas de seu livro de estreia também podem ser encontrados em revistas e portais digitais como Torquato, Margem, etc. Cabe, porém, não se iludir com o etecetera. Nasceu em 1987 em Belém do Pará. Atualmente reside na capital do Amazonas, Manaus.


o som da rádio internacional abafa
a Amazônia inteira pela manhã
uma música sobre sexo and bitches
quando ninguém está realmente disposto
o café mal passa pelo coador antigo
impede que eu pense em meus antepassados
e o dia desistiu porque a fumaça que saía
pela tua boca se confundia com nuvem dizendo
essas músicas são todas iguais
nuvens só conversam sobre chover
e é o inverno que define o sentimento de equidade
das manhãs proletárias
mas tem um sentimento afinal
de quando eu bebia pela manhã
de quando eu sabia que era manhã
mas não sabia o que era proletário
na verdade sons iguais não são um problema
você me diz te amo da mesma forma
toda vez que nos despedimos
empurrar meu corpo pra fora com um beijo
faz parte do processo de amadurecimento
de répteis e frutas tropicais
e homens quase jovens
o problema realmente é o dia anterior
e o anterior a ele
até chegar o dia que tu disseste
eu gostaria de te machucar, também
ou eu acho que vai chover
atrapalhando o pensamento contínuo
de derrubar todas as árvores do meu quintal
não acimentado
pra ecoar sexo and bitches and whatever
e minha respiração de porta em porta
o aterro é gratuito e sentimental
é a prestação que você recebe por ceder
a minha referência é
uma imagem indígena empobrecida nos catálogos de bijuterias
e o grafite que o pai do meu pai acharia de mau gosto
mas aí tu surgiste sentada na beira da cama
enquanto eu me vestia
e os trabalhadores
faziam seu trabalho de demolição
o pai do meu pai era operário e analfabeto
mas eu consegui ler a constelação de
asteriscos que delimitavam tua silhueta
mesmo tremida pela antítese sonora
das construções da cidade
teus cabelos estavam dormentes assim como
alguns de meus membros
desistindo também de cobrir muitas partes do
teu corpo que contava
toda uma história de ancestralidade
mas que me fez pensar em gerações futuras
e nas vítimas
e em todas as sementes que eu acabei
desperdiçando naquele quintal
por trás de todo o audiovisual
sobram teus pelos
e das ervas o cheiro
quando despreza perfume
e ataca todos os meus músculos
tu disseste que eu não tinha câmeras então
de onde surgiu esse retrato?
é verdade, mas os olhos são todos iguais
o homem é uma máquina que também pode ser
fotográfica
eu sou uma retroescavadeira
que procura corpos em terrenos públicos e enterra
os últimos rios que restam
é a prestação que você recebe por ceder
a sua imagem
o segredo da tua foto está bem guardado
nunca vou contar
como as parteiras da beira
dos últimos rios que restam
todo mundo sabe o que elas fazem
mas ninguém sabe o que elas fazem
não precisa contar
vou passar da minha boca para
a tua
deslizando como a escama abandonada
do réptil fluvial
e também porque não sei traduzir
as expressões idiomáticas do pop internacional
as rugas precoces da tua insatisfação
a linguagem das nuvens também é difícil de traduzir
quando tu colocas uma música do Caetano
que eu também mal entenderia
muito menos os rios


Arte: Drawing, Cloud Study, de Frederic Edwin Church.

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