3 poemas de Lucas Ferreira Clares

3 poemas de Lucas Ferreira Clares

por Natan Schäfer

24 de setembro de 2024

Lucas Ferreira Clares (https://aboio.com.br/tag/lucas-ferreira/) (1998)

Meditações

Fica úmido quando chove
O céu e o mar se refletem
As folhas secam e morrem
Como eu e você um dia.

O mundo é feito de coisas
Em estado sólido líquido gasoso
Você é uma dessas coisas
O amor não é desse mundo.

Tudo o que ama vive
Tudo o que vive louva
Tudo o que morre morre
E isso é bom.

Cemitério municipal

As visitas breves
De pessoas sozinhas
Que aproveitam a pausa
Do almoço
Para se sentar
Com seus mortos
E ao final de uma reza
Deitam uma flor
Sobre a lápide
Como um cobertor
Sobre o corpo frio
De alguém que dorme
Um sono leve, sem sonhos
E sem se dar conta
Mas quase por ofensa
Olham para o céu
Reparando as nuvens
Predizendo a chuva
Mas não uma chuva
ㅤ ㅤㅤ que tudo arrasta
Uma chuva surda, lenta
Que cobre as flores tombadas.

Guardar

I

Guardou os olhos nas mãos
Mas mãos não guardam nada
Um telefone anotado
Na palma da mão escorre
E bem depressa se apaga

II

Guardou os olhos nos bolsos
Como se neles guardasse
Perdidos e esquecidos
Toscos bilhetes de amor
Apagados à centrífuga

III

Como dois barcos boiando
À noite num copo d ́água
Enlaçado pra presente
Embrulhado em pálpebras
Deitou os olhos de lado

IV

E quando alguém lhe pediu
Para que emprestasse os olhos
Emprestou como se emprestam
Canetas roupas isqueiros

E quando alguém perguntou
Licença, mas que horas são?
Abriu os olhos bem grande
Pra que se pudesse ver

Que as horas não valem nada
E que o tempo não diz nada
E que o agora é muito pouco
E que o mundo é muito nada.

Arte: Winding the clock (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Winding_the_clock_(unknown_date),_by_Joaqu%C3%ADn_Sorolla.jpg), de Joaquín Sorolla.

Natan Schäfer (Ibirama, 1991) é mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e pela Université Lumière Lyon 2. Foi professor do curso de Bacharelado em Artes Visuais da UNESPAR, membro da Psychoanalytische Bibliothek Berlin e tradutor convidado nas residências Looren América Latina (Suíça) e Résidence Passa Porta (Bélgica). É autor de Taquaras (Contravento Editorial, 2022) e tradutor de, dentre outros, Por uma insubmissão poética (Sobinfluência, 2022) e La promenade de Vénus (Venus D’Ailleurs, 2022). Atualmente é responsável pela Contravento Editorial, também assinando a coluna "A Fresta" na página da editora Aboio. Além disso, dá a ver em desenhos, pinturas, escritos e fotografias algo da poesia que lhe atravessa.