4 poemas de Vitória Carvalho

4 poemas de Vitória Carvalho

por Natan Schäfer

24 de setembro de 2024

Vitória Carvalho (https://aboio.com.br/tag/vitoria-carvalho/) é natural de Goiânia (GO). licenciou-se em Letras pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e lá é mestranda em Estudos Literários. Tem interesse pelo silêncio e por palavras como omoplata.

às duas o sol bate do lado esquerdo
do ombro uma garganta se arranha
em cima do meu sexo – arquejos
o Centro cheira a empanado
cerveja
e à filha que não veio

foi num solstício de verão que inês
fundou uma nova forma de partir:
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ pelo começo
assim foi o dia mais longo da banda sul
do mundo
você me engole num
beijoㅤㅤㅤ

agora que aposentaram
as máscaras sobre as avenidas
você me pega às cinco um azulejo
azul e branco são seus olhos
ㅤㅤㅤㅤ eletrônicos

te espero sempre às cinco
a noite talhando o dia te espero
como uma penélope
desmancha nos dedos
a ossatura umbilical
da morte

desovar dois ou três versos num soluço
recolher seus espinhos como se ainda
falasse sua língua
prensar nos dedos uma última vez
a mulher que fabrica o dia
como se fabricam as horas
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤdo dia
abandonar seus fantasmas
mas alimentá-los
como se alimenta uma gata puérpera
recolhendo traças nos muros
silenciosamente
qualquer poema pode despencar de um
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ útero
qualquer útero pode ferir um poema
retomar àquela mulher de nome turco
(sâmia
significa “sublime” “seu nome é deus”
ou apenas “aquela que ouve”)
um monte venusiano à sua espera
uma língua à espera de uma terra
onde nascer
afiar os caninos da boceta
como se engarrafa deusas num nome

ai que enjoo me dá o açúcar do desejo.
Ana C.

não veio o quarto augusto
pedi que viesse no entanto
não veio
uma espécie de culpa
apenas me safando
ordeno pratos e garfos
faço sala para a noite
e sua ladradura
escuta esta que te escarra
do ventre
a faca é um convite
por que você não
insiste, me escorre das mãos?
também eu me ocupo &
esqueço
indefensável esqueço
minha dor no alto da sua

a salmoura do desejo

Beba das minhas coxas Engula
minha fúria minhas cicatrizes
de seda essa é a última vez
meu amor meu punhal de amor
as coisas vão melhorar Mas
não diga nada
Absolutamente nada
você não soube me segurar
querida minha arsenal
da minha seiva a filha dileta
de todas as outras Não venha
a mim olhos de fera Eu quero
dessa vida que você rejeita Beba
das minhas mulheres Esqueça
as minhas mulheres Eu não posso
te deixar Eu não abro a mão
as minhas guelras
de onde tudo s’esti
ㅤㅤ -lhaça
assuma o destino que te encerra
na espinha
na Minha espinha
a mesma que te pôs no mundo
Eu sou a casa
e seu lugar de espera
até que esse
seja o primeiro tapa

Foto de Luísa Machado (https://aboio.com.br/tag/luisa-machado/).

Natan Schäfer (Ibirama, 1991) é mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e pela Université Lumière Lyon 2. Foi professor do curso de Bacharelado em Artes Visuais da UNESPAR, membro da Psychoanalytische Bibliothek Berlin e tradutor convidado nas residências Looren América Latina (Suíça) e Résidence Passa Porta (Bélgica). É autor de Taquaras (Contravento Editorial, 2022) e tradutor de, dentre outros, Por uma insubmissão poética (Sobinfluência, 2022) e La promenade de Vénus (Venus D’Ailleurs, 2022). Atualmente é responsável pela Contravento Editorial, também assinando a coluna "A Fresta" na página da editora Aboio. Além disso, dá a ver em desenhos, pinturas, escritos e fotografias algo da poesia que lhe atravessa.