Contorno cego é um exercício no qual o Observador desenha o contorno do Observado sem olhar para o suporte de desenho — leia-se, papel. A essência da técnica é treinar a mão para reproduzir o movimento do olho, o que pressupõe uma conexão excepcional do Observador com o Observado, e cujo resultado traduz-se, compreensivelmente, como abstração. [A professora de arte nos pediu, lá pelo 9º ano do fundamental, para fazer um boneco de argila e pintá-lo como melhor nos aprouvesse. O meu foi inteiramente pintado de preto.] No belíssimo Retrato de Uma Jovem em Chamas, discute-se a concomitância do estado de Observador e de Observado: a Observadora é tanto objeto da Observada quanto o contrário, isto é, a Observada, da sua perspectiva, é tanto Observadora quanto a Observadora é Observada, embora apenas esta pareça usufruir de sua condição, pois é a que pinta. Isso falando da captura de um elemento vivo; o Observado que não experimente um estado de observação é, para se dizer o mínimo, inanimado. A ideia da tentativa e falha de obter-se um retrato perfeito, pois, naturalmente, há aspectos inexprimíveis em todas as artes, é ainda mais romântica no contorno cego, onde a conexão Observador-Observado, embora tão intensa, se revela apenas um amontoado de linhas ininterruptas e rudimentares. Imagine observar alguém por tanto tempo, tão profundamente, que só o que sobra é o bosquejo. Meu pai era um retratista e, portanto, exímio copiador; a cada linha torta que minha caneta larga sobre o papel, penso nele e em seu traçado perfeccionista — na medida que em que perfeccionismo é reproduzir, tão fidedignamente quanto possível, o Observado. Eu, por exemplo, se fosse fazer um retrato seu, não conseguiria te copiar. Mas te escrutaria o suficiente para saber a quais linhas reduzir.
Anna Carolina Rizzon (https://aboio.com.br/tag/anna-carolina-rizzon/) nasceu no Rio de Janeiro, cresceu em Teresópolis e se exilou em São Paulo. É incompetente em diversos segmentos artísticos, mas insiste mesmo assim. Especialmente na escrita. Colabora com a Fazia Poesia (https://faziapoesia.com.br/) e a Revista Úrsula (http://revistaursula.com.br/blog/2018/03/26/ossada-perpetua/) e posta aleatoriedades nos blogs vOltas (https://medium.com/contemvoltinhas)e h a v e r e s (https://medium.com/haveres).
Natan Schäfer (Ibirama, 1991) é mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e pela Université Lumière Lyon 2. Foi professor do curso de Bacharelado em Artes Visuais da UNESPAR, membro da Psychoanalytische Bibliothek Berlin e tradutor convidado nas residências Looren América Latina (Suíça) e Résidence Passa Porta (Bélgica). É autor de Taquaras (Contravento Editorial, 2022) e tradutor de, dentre outros, Por uma insubmissão poética (Sobinfluência, 2022) e La promenade de Vénus (Venus D’Ailleurs, 2022). Atualmente é responsável pela Contravento Editorial, também assinando a coluna "A Fresta" na página da editora Aboio. Além disso, dá a ver em desenhos, pinturas, escritos e fotografias algo da poesia que lhe atravessa.