dejà vu

dejà vu

por Karen Kazue Kawana

24 de setembro de 2024

dejà vu

não escrevo sobre amor
escrevo sobre saudades
amor no pretérito

fotos já sem cor
um tempo findo

quem se foi não volta mais
resta o luto da perda
quem se foi não se volta mais a ser
talvez isso seja uma vitória

não sei dizer

ainda estou a caminho
vindo de lugares onde estive

bebo café frio
vejo a chuva
casais adolescentes
déjà vu tépidos

pai e mãe estão mais velhos
deixei de ser a menina deles
uma mosca pousa na mesa
um cão passa e se volta

escrevo sobre saudades
mas este momento
não entrará na soma

voyeuse

noite em Lisboa
fado distante
luzes em colinas
poucas pessoas na rua
o ar dentro do quarto
não é o de minha casa
abro uma fresta da cortina
de costas para mim
sozinho e sentado
um homem se masturba

um objeto de estudo
de interesse antropológico
eu o vejo no escuro
com a curiosidade mórbida
de quem vê uma aranha
agarrar uma mosca
o embaraço de quem via Kuro
o cão de minha infância
montar as pernas de meu pai
na frente das visitas

no som de vozes próximas
abandonei meu posto
o desenlace dessa cena
ignoro

sem danos
seguimos nossos caminhos
completos estranhos

adolescência

você é jovem e bonita
mas por que é tão triste?
perguntou a professora
para a aluna surpresa
mas ser jovem e bonita
é garantia de felicidade?
um amuleto contra tristeza?

jovens são tristes
o não vivido lhes dói
como farpas na carne


Desenho de Ariyoshi Kondo.

Karen Kazue Kawana é uma tradutora que escreve um pouco. Autora da coletânea de poemas Pequenas coisas (Bestiário), da novela O homem do jardim (Urutau) e do pseudo-renga Cancioneiro da desilusão (Urutau). Traduziu obras de escritores como Osamu Dazai, Kajii Motojirô, Yuriko Miyamoto, Toshiko Tamura, entre outros.