Matryoshka revisitada, por Laura Redfern Navarro

Matryoshka revisitada, por Laura Redfern Navarro

por Laura Redfern Navarro

24 de setembro de 2024

Há um pouco de sangue libanês
De minha avó
Na ponta de meu nariz e braços e ombros

As agulhas enferrujadas
penetraram o meu corpo
E você pode vê-las
– mas não muito a fundo –

Dentro de mim há um pouco
De tudo da poeira das ruas
Dos cheiros tão seus que quase enjoei
Uma tarja larga e branca sobre meus olhos
Arranco palavras e me torno
Parte delas

– poço lotado de um vazio inexistente –
Eu abro as bonecas
E me vejo virada para o espelho
Pronta para quebrá-lo em pedaços

No café da tarde
Há um copo meio cheio
Com um pouco de saudosismo
Cheiro de louça quebrada e
Partida
E recolada

– a mãe da Rússia –
Mesmo que eu não
Fosse eslava
(emprestei o vermelho
Igual ao meu batom)

Eu adotei o que
Podia.

E então me descasquei
feito uma cebola
E você nunca
me conhecerá por completo

se não me dissecar
como um sapo

– engoli todos –

Laura Redfern Navarro é poeta e formada em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Toca a plataforma literária independente @matryoshkabooks, focada em literatura brasileira contemporânea. Pesquisa o testemunho enquanto subversão do trauma, do feminino e do corpo em “O Martelo”, de Adelaide Ivánova. Publicou, em 2020, o livro Matryoshka (Desconcertos) e colabora com a equipe de poetas da FaziaPoesia desde 2021.