mulher entediada & de olhos bem fechados

mulher entediada & de olhos bem fechados

por Natan Schäfer

24 de setembro de 2024

Convidamos três poetas para escreverem inspiradas em quadros da artista plástica Paula Siebra.

Aceitaram o convite as poetas Ivana de Lima Fontes, Laís Araruna de Aquino (https://aboio.com.br/igrejinha-acompanhado-de-estudo-para-alem-do-objeto/) e Pâmela Filipini (https://aboio.com.br/imbuzeiro-e-voltar-se-para-si-mesmo/).

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de olhos bem fechados

ivana fontes

ilha, água em beiradas e banzos
assim pretendo guardar-me:
intacta, mas de pés molhados
sentindo pela ponta da língua
o sal reticente cortando o lábio

tontura intocável — distante
dentro das janelas redondas
os navios se conduzem sozinhos
ainda que os comandantes se esforcem
está dado: ser parte da paisagem — intangível

nenhuma tecnologia nos livrará
de sermos o mesmo barco a vela
que atravessou outros mares em 1700:
os mares convocam seus deuses e
jamais têm piedade (que piedade nos salvará?)

ventos, peixes e civilizações — as águas decidirão
sucumbirão a terra (que vive para ser superfície dos pés)
e de face conturbada e móvel*
conseguiremos nos ver refletidos
em sua superfície (em que se afundam nossos pés)

enquanto isso, insisto na tentativa de
todos os dias, a cada manhã em que
uma gota de orvalho espanta a pia,
a cada movimento pendular do oceano:
‘com todo o meu interior, permanecer
de costas’ — feito pedra.

Ivana de Lima Fontes tem sangue de Aracaju e sotaque de Maceió. Já fez música, já fez direito, já fez matéria sobre emagrecimento e só nunca deixou de fazer poesia. É graduanda em jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Conheça também seu trabalho no Medium (https://medium.com/@ivanafontes).

Paula Siebra nasceu em Fortaleza, Ceará. Em 2016, muda-se para o Rio de Janeiro para estudar Pintura na UFRJ. A artista tem como enfoque imagens relacionadas ao cotidiano, à intimidade e ao imaginário nordestino. Começa a expor em 2017, numa coletiva no Museu Nacional de Belas-Artes. Desde então, participa de diversas outras exposições em instituições como Centro Cultural dos Correios e Centro Cultural da Light.Seu trabalho tem origem na exploração de temas já consagrados na Pintura, como retratos, paisagens e naturezas-mortas, que ao longo do tempo vão ganhando um caráter formal peculiar: há uma simplificação no desenho da forma e uma redução no contraste entre os tons cromáticos que estabelecem polarizações entre realidade e sonho, como um devaneio sobre o cotidiano.

Natan Schäfer (Ibirama, 1991) é mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e pela Université Lumière Lyon 2. Foi professor do curso de Bacharelado em Artes Visuais da UNESPAR, membro da Psychoanalytische Bibliothek Berlin e tradutor convidado nas residências Looren América Latina (Suíça) e Résidence Passa Porta (Bélgica). É autor de Taquaras (Contravento Editorial, 2022) e tradutor de, dentre outros, Por uma insubmissão poética (Sobinfluência, 2022) e La promenade de Vénus (Venus D’Ailleurs, 2022). Atualmente é responsável pela Contravento Editorial, também assinando a coluna "A Fresta" na página da editora Aboio. Além disso, dá a ver em desenhos, pinturas, escritos e fotografias algo da poesia que lhe atravessa.