[na área de serviço]

[na área de serviço]

por Pedro Willgner

24 de setembro de 2024

na área de serviço
onde as braços brancos pernas e varizes
se servem de consolo
te digo uma telha transparente
uma única telha entre todas

— é aquela de plástico

foi nessa telha
sob esse céu transversal à nossa nuca
que uma pipa caiu
e ficou

já faz uns dias
uns tantos quantos tais
que olho para cima
e vejo a sombra da rabiola presa –
a telha aquela
parece imprecisa em mostrar ou não as varetas batendo
com suas certezas
com seus talvez

— enfim

tem vezes que elas petelecam
transversais
com um passo que só os espectros podem:
como se depois da morte
como se depois de qualquer aviso

e enquanto a área tem o cheiro da areia do gato
enquanto as baquetas fazem uma nênia às camisetas
esperamos
lembrando das vezes em que peguei palitos e pensei
em riscar meus dois olhos

estar em evidência dentro de casa
é um jogo perigoso
maneira doce de se machucar

— te juro

por isso em segredo
olho pra cima e penso que hoje
hoje desvio da morte
minha aposta a crédito

de repente as garrafas d’água e seus jarros

todas elas e aquela
azulada de 1L ganhada
num dia de céu cheio de qualqueres

alhures em
seguida a luz do celular
o flash da câmera
o assalto de mar sobre a superfície
com quebrantos projetados em silêncio
por todos os cômodos
e assim
no mínimo um regato dentro de casa

essa maneira de convívio
de imanência com o mergulho
fundo fundo
furto de morte
nunca os mistérios das fronteiras:
desde já camadas sobre vida
estas sim
de tudo azul
como um presente

é pelo mês de janeiro
pelos seus dias distantes que
a colcha que cobre os sofá se denota
azul

tem dois sofás na sala:
um com dois assentos
outro com três
para quatro pessoas agora

o quinto assento
nós tivemos que dar ao gato
que se estica entre as flores das duas estampas
tal como quando no quintal
com todos seus cheiros insetinhos
capim-cidreira de pelos brancos

um gato criando palimpsesto
em pleno mês de janeiro

Pedro Willgner, 23, é formado em Letras – Português pela UnB e curte demais poesia contemporânea. Nunca publicou seus poemas e chegou à conclusão de que é o momento de dialogar de outro modo com seus próprios textos.