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por Diogo Mizael

24 de setembro de 2024

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o consultório
do dentista
fica no caminho
do mercado –
o sol compassivo
nega a queimar
minha pele
como a de um saco
plástico jogado
na calçada

&

mangueira
esticada
no quintal –
uma borboleta
branca pousa
na rosca
da torneira
vazando

&

deixa que eu seja
a pasta de dente
que tapa os buracos
dos pregos que você
bateu para pendurar
os quadros de john
& yoko a pasta de dente
ao invés da massa
a malandragem
da lixa de parede do pó
deixa que eu seja
o marfim da tinta a cor
que está no contrato
que tem que pintar
antes de entregar
a casa de bandeja

&

estou a cinco minutos
da igreja uma escada
de cimento me conduz
por pinos amassados
de cocaína e panfletos
molhados de vereadores
conservadores tudo isso
a cinco minutos da igreja

&

uma antífona
sem lírica
gregoriana ainda
em tom
salmódico
acima
uma azia
queimando
o estômago
procurando
a saída antes
da benção final

Foto de Luísa Machado

Diogo Mizael nasceu em 1982 e vive na zona norte de São Paulo. Publicou os livros A Andar pelas calçadas do inútil (edição do autor, 2009), Kyrialles (Urutau, 2022) e O fim da linha não é o fim da vida (É selo de língua, 2024). Estuda Zen Budismo e trabalha com shiatsu terapia.