da janela para dentro
como quem cruza um caminho estreito
reconquistado pelo mato alto
na ausência de visitas
que lhe confirmem o traçado no chão
ensaio percorrer mentalmente um inventário
das coisas protegidas dos olhos
convite
entre duas janelas está sua cama
e não sei qual delas
se avizinhará de mim
quando se um dia
a casa o quarto
abrigar como hóspede
também meu corpo
amar, verbo intransitivo
não vai rolar
como diz a Maria Valéria Rezende
esse substituto universal para acontecer no português brasileiro
peço licença à autora ou ao autor desta entrada em um dicionário digital
nunca o tive em mãos e agora o convido parcialmente ao mundo das coisas
essas que de tão infimamente físicas atraem-se pela gravidade
verbo transitivo direto e intransitivo
ser ou tornar-se realidade no tempo e no espaço
seja por acaso
seja como resultado de uma ação
ou como desenvolvimento de um processo
ou a modificação de um estado de coisas
envolvendo ou afetando
abre parênteses
algo ou alguém
fecha
pode rolar quando ambos tencionam tornar-se
realidade no tempo e no espaço um do outro
dou um exemplo
vibra o telefone
anuncia-se sem cumprimento embora repleto de cordialidade
um convite: vamos gozar juntos de novo
uma semana
o aspirador tem reservatório com capacidade extra
não sei como colocar à prova essa verdade
mas cabe de uma só vez o que de minha própria pele
misturou-se à poeira do mundo
sobra muito espaço no reservatório
para uma semana de mim
a menos que chova as janelas estarão sempre abertas
hão de fazer da casa como o ar fresco do lado de fora
hão de trazer fragmentos de mundo que repousarão sobre móveis e piso
e debaixo dos móveis
e nas falhas do piso
e suspensos no ar
sabe-se lá
não pesquisei
quantas células antecipam a diário a certeza da morte
em cada ser vivo antepassado da poeira
quanto ainda haverá de minha pele
nesse vento seco
Foto de Maria Cecília Chaves Machado (https://aboio.com.br/tag/maria-cecilia-chaves-machado/).
Jadson Rocha , artista visual baiano-brasiliense, vive e trabalha em Brasília-DF. Produz objetos, instalações, poemas, intervenções e performances, que exploram questões como vazio, fragilidade, palavra, miudeza e cotidiano. Economista, pela UnB, sua formação inclui ainda disciplinas de arte na universidade e cursos livres em instituições como Parque Lage e Caixa Cultural Brasília. Participou do programa de residência “together, separately”, oferecido por Cel del Nord (Oristà, Espanha) e das exposições coletivas “acervo rotativo”, na Oficina Cultural Oswald de Andrade (SP), “A margem do sonho”, no ColetivoRJ (RJ), “Diálogos distantes” e “Segundo Plano”, ambas na Galeria Tato (SP). Em 2021, apresentou a exposição individual “poeiras”, na Casa da Cultura da América Latina (DF).