Sábado, dia de Saturno ou 25 de março de dois mil e vinte e três

Sábado, dia de Saturno ou 25 de março de dois mil e vinte e três

por Natan Schäfer

24 de setembro de 2024

Gabriele Rosa (https://aboio.com.br/tag/gabriele-rosa) é natural do Rio de Janeiro. Historiadora e dramaturga de processos, assinou o dramaturgismo da peça Memórias de uma Manicure (https://www.bonecasquebradas.com.br/memoriasdeumamanicure) (Bonecas Quebradas Teatro, 2023 – Projeto contemplado no Edital Eletrobrás 2021). Publicou Dias medidos em xícaras de café (https://editoraurutau.com/titulo/dias-medidos-em-xicaras-de-cafe) (Editora Urutau, 2023), Não consigo me desvencilhar desse óbito (https://www.editoraprimata.com/nao-consigo-me-desvencilhar-desse-obito-de-gabriele-rosa/p) (Editora Primata, 2023), entre outros livros. É aluna do CLIPE Poesia 2023 (Casa das Rosas).

sábado, dia de Saturno ou 25 de março de dois mil e vinte e três

estou cansada. quando o vento é de sudoeste sinto o cheiro da sua cidade ainda nos poros. detesto. em algumas semanas volto ao objeto encantador dos teus sentidos. você bem aí do outro lado do oceano. bom para nós dois — o desencontro. Vênus em trígono com Lua em Áries, Mercúrio conjunto a Netuno e Plutão… ah! nem queira saber sobre ele. o céu não está para jogos flébeis. vento de sudoeste. 7h, caminho até a feira, sacola e lista na bolsa. liguei para o meu astrólogo e ele segue confuso: 2h33 ou 2h38? gosto de atravessar ruas lotadas de gente. levo as vozes para casa, deixo-as no teto, ouço antes de dormir. você nunca mais disse o meu nome. cinco batatas-doces, dois inhames, couve, três tangerinas, uma dúzia de laranjas-pêra, dois litros de água de coco, bananas…, não estão maduras, cancela. morango, coentro, cominho, caminho… seríamos um casal que…, alecrins dourados fazem feira? exatamente o que pensei, próximo! as telas infinitas me aguardam para mais uma aula. estou envolvida agora com gente perigosa, muito perigosa: poetas. sim, poetas. lembra do Fernando? pois é, escancarado em todos os versos, afinal tudo o que leva consigo um nome retalhou o alecrim dourado, me lembrou você, e o que não fiz [ainda] com você. disparei o mailing para os teus dois mil duzentos e noventa e três seguidores: mascarilla ou beijos de gratiluz. cinco minutos de diferença não vão mudar minha vida inteira. astrólogo dramático. um mapa natal não passa de uma fotografia borrada de combinações exuberantes e enlouquecedoras. uma cartografia dos afetos primevos. me lembrou você, e o que não fiz [ainda] com você. não comprei todas as frutas da estação e esqueci das flores. acho que corri por duas horas. uma daquelas perseguições recorrentes durante a vigília. antes de acordar, no frame final vi tua escápula de frutas frágeis. devorei o osso inteiro.

moulage I

tinha medo de sentir o gosto do
corpo de Cristo
— não mastigar cuspir engolir
elas disseram
usei botas marrons na Eucaristia e as pupilas
alheias decalcaram minha ossatura frágil
as boas meninas usaram sandálias brancas
mas não sabiam nada sobre os Mistérios Gloriosos

Fotografia: Remadores na Praia de Fora em direção ao Forte São José; ao fundo, o Morro do Corcovado – Marc Ferrez (Acervo Instituto Moreira Salles (https://acervos.ims.com.br/)).

Natan Schäfer (Ibirama, 1991) é mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e pela Université Lumière Lyon 2. Foi professor do curso de Bacharelado em Artes Visuais da UNESPAR, membro da Psychoanalytische Bibliothek Berlin e tradutor convidado nas residências Looren América Latina (Suíça) e Résidence Passa Porta (Bélgica). É autor de Taquaras (Contravento Editorial, 2022) e tradutor de, dentre outros, Por uma insubmissão poética (Sobinfluência, 2022) e La promenade de Vénus (Venus D’Ailleurs, 2022). Atualmente é responsável pela Contravento Editorial, também assinando a coluna "A Fresta" na página da editora Aboio. Além disso, dá a ver em desenhos, pinturas, escritos e fotografias algo da poesia que lhe atravessa.