[sem título]

[sem título]

por Gabi Pacheco

24 de setembro de 2024

[sem título]

porque inventaram
inventaram o tecido
inventaram bandeiras
inventaram altar
inventaram ouro
inventaram heróis aventureiros bandeirantes
inventaram
o bater palmas
o se ajoelhar
chorar baixinho
inventaram filhos irmãos herdeiros
o único animal que inventa e esquece
o único animal que fofoca

tudo poderia ser saliva
mas é cuspe

não estou para explicar
não quero entender com a inteligência
mas repassar o que me foi sussurrado num arrepio

corte teu coração ao meio
desça pra terra
rosne pra deus

não é uma história triste

quando nos encontramos no que era o endereço da distância
e o meridiano do nosso abraço
era só
uma piscina vazia

me disse que sonhava com celas enormes
eu disse é só um pulmão
o contrário de sonho
rocha invés de sonho
estrela invés de fantasma
as cinzas não do cigarro mas
do seu dedo
desmanchando à minha frente
isso pode ser um começo
mar ao invés de fim
ou onda
isso pode ser uma onda

entre a gente um minotauro

você quando virou um minotauro
o que nos separa pode ser
pode ser
um grande chifre

como irmãos
você
o tigre que só faz andar em círculos na jaula

o fogo do corpo não vai purificar ou sinalizar
não é nada
é um crânio
é uma prisão
é um instrumento cortante

o vazio
da boca
do estômago
dos pulmões
dos ouvidos
do útero
do cu
tudo que vejo é cavidade

Imaginava

Representar o espírito:
o espírito saindo do lamaçal se puxando pelos cadarços
o espírito com a força dos seus braços
o espírito a
comprar uma machadinha

idear cuidar pensar
comprar aquela machadinha

como alguém saindo do quarto à meia luz
os calcanhares se indo
você tão beijos boa noite tchau todo dia
beijos boa noite tchau

cuidar com machadinha

idear todos os pontos de contato
na velocidade do suor
ofereceu a nuca ao machado

Quero que você conte a seu amor que eu sou seu amor

i.
cores que te seguraram por toda parte
o verde avançando o coração
tua cara quieta de grama molhada
sim são as cores a segurar todas as silhuetas do mundo

ainda quando foi preciso estar tão sedenta
nada gruda em bicho tão molhado quanto eu
querendo algo delicioso e sei que isso não é pedir muito

você vem pra cima com seus olhos

ii.
lambi os lábios
mordi com força
tive pânico de não ter mais
minhas patinhas escrevendo a terra
tuas mãos cantando o crime
eu queria a crueldade dos santos e
e isso era não a fruta da felicidade
era melhor
os dedos a sonharem todos os buracos do mundo
três doses de eu ainda estou aqui não acabei posso te contar mais
tanta bateria lambida tijolo que mastigava
posso me vestir imunda de suas gentilezas enquanto você prepara o rodeio
você gosta quando eu espremo a demência com o dedo e eu
gosto
de não perder
gosto
olhar pela janela
quando os cortes da carne
gosto

vai pro fundo vai pra queda
vem com o lombo

Gabi Pacheco é mulher, é carioca e é doida. Formou-se em Linguagem e Cultural pela Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio (東京外国語大学) e atualmente espera o seu processo burocrático de revalidação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É formada em produção cultural pelo Instituto de Teatro Brasileiro (ITB). Também pinta quadros em tela crua na laje de sua casa, na companhia do seu cachorro.