“Meu maior medo era que, se eu perdesse o controle, ou não tivesse controle, as coisas passassem a ser fatais.”
Não é meu, é de uma música. E nem é da artista da música, é a mãe dela quem fala isso. Como numa reflexão, como num conselho, a mãe dela manda a real através de uma ligação. Mãe, liguei pra pedir a receita do feijão e a senhora me vem com uma dessa? A artista gravou, gostou e usou. E aí depois disso começa a música. A mãe da gente é sempre ponto de partida.
Fatal. Adjetivo. Daquilo que não se evita, daquilo que é do destino. No Brasil deturpamos a palavra por completo. Sim, é fatal morrer, mas é igualmente fatal nascer. Ninguém pediu, ninguém poderia evitar. Quando não pudemos controlar a situação como a sábia mãe nos advertiu, as coisas foram fatais. E nascemos. É de dar medo mesmo.
Fatal foi ter que conviver comigo mesmo desde então. Foi inevitável, não havia outra possibilidade e nunca haverá. Eu que lavo a louça bem rapidinho, eu que odeio fazer faxina no resto da casa. Sou obrigado a dividir esse lar (eu mesmo) com o melhor e o pior de mim. Já viajei com família, romance e amizade. Mas sempre tive que me levar. Fui me calibrando, ninguém é de ferro, ninguém é de fato. Não iria me levar que nem peso morto por aí, me ensinei a andar e a correr quando eu me fiz ter pressa. E fui um excelente aprendiz de mim mesmo. Ai já não foi fatal porque deu trabalho aprender a não me dar mais tanto trabalho assim.
Escutar essa música também não foi fatal. Não foi daquelas músicas que você escuta no ônibus e fica com elas grudadas na cabeça o resto do dia inteiro. No banho? A música. Na academia? A música. Ouvindo outra música? A música. Mas essa aí não. Essa aí eu fui atrás. “Quero música nova, quero pensamentos de gente nova.” E aí a artista começa a música com sua mãe falando sobre controle. Aí sim foi fatal. Não somente do destino, mas também do aniquilamento. E eu me fiz escutar mais vezes, pois aquilo que é fatal sempre é inevitável por um motivo, a gente é que não vê.
Vem de Fata, a deusa do destino. Tenho fixação por etimologia, então chegar nesse ponto da reflexão era absolutamente fatal. Aqui é tudo romano, tudo latim, acho chique (por nenhum motivo aparente). Praefatio, antes do fato, foi quando eu joguei o trecho da música pra falar de destino. Fatum, feito, foi falar o que falei. Fatidicus, dizer o fatal, é quando revelam aquilo que ainda escreverei. Desejo boa sorte, visto que nem eu mesmo o sei. Estou escrevendo, mas só sei aonde isso vai levar quando chego lá.
Ao contrário da mãe da artista, não tenho medo de perder o controle. Deixo e sempre deixei o acaso guiar minhas palavras. Ai de mim julgar-me mais sábio que o acaso, sou apenas um chocólatra preguiçoso. Às vezes, leem o que escrevo e escutam o que eu falo, mas a ideia vem sempre do acaso. Sou só ponte, nunca neguei. Já sou fatalidade desde a minha concepção, quem sou eu para tentar controlar algo? Deixo o controle se esvair por completo pois gosto justamente daquilo que é fatal. Quanto mais penetrante, melhor. Quero matar por dentro. Pois quando algo morre, algo nasce. Isso é fatal. E aí volto pro meu corpo e como mais um chocolate, não preciso de mais nada.
Lucas Barreto antes de ser brasileiro já era recifense. Estudante de Psicologia e artista com mania de grandeza (pleonasmo). No Facebook, dá pra ler os seus delírios na página Detalhes Escrachados (https://www.facebook.com/detalhes.escrachados/). No Medium, só pesquisar pelo nome mesmo (https://medium.com/@lcsbrrt). LGBT. Otimista por essência, mas também por existência. Às vezes atua, às vezes fotografa, às vezes escreve… Enfim, amador até na vida.
Natan Schäfer (Ibirama, 1991) é mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná e pela Université Lumière Lyon 2. Foi professor do curso de Bacharelado em Artes Visuais da UNESPAR, membro da Psychoanalytische Bibliothek Berlin e tradutor convidado nas residências Looren América Latina (Suíça) e Résidence Passa Porta (Bélgica). É autor de Taquaras (Contravento Editorial, 2022) e tradutor de, dentre outros, Por uma insubmissão poética (Sobinfluência, 2022) e La promenade de Vénus (Venus D’Ailleurs, 2022). Atualmente é responsável pela Contravento Editorial, também assinando a coluna "A Fresta" na página da editora Aboio. Além disso, dá a ver em desenhos, pinturas, escritos e fotografias algo da poesia que lhe atravessa.