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I.
você fecha a porta recolho
a noite, pratos e facas mas não
os copos e nem as taças porque
marcas de sua boca
contornarão azuis
o vidro e a virilha
quando amanhecer
onde os dentes cravaram saliva
transbordarão fungos
e outras culturas bravas
só para comprovarem
que você esteve aqui
que o Tempo em seus dedos dança eras geológicas
que o amor é antigo, roxo e cheio d’água
II.
dá uma vontade faminta de ficar calada no seu maxilar
deglutindo o silêncio sem relógio do seu peito
arrojando seu peso rochoso entre as costelas
respirando o retumbar ritmado da sua pele
auscultando a areia que bebi dos seus olhos,
ampulhetas d’água
III.
mais me impressiona numa onça parda o tamanho das órbitas oculares, onde me perdi quando cai em seu corpo, montanha desfiladeiro e abismo ao mesmo tempo, se escalo seus pelos até o topo depois beijo seus cílios de menino é porque neles você protege o mundo, defende afiado entre os caninos a carne da minha coxa, mergulha as garras nos meus calcanhares transpassando os tendões, tomba minha espinha sem escamas na palma da mão: presa é o tempo do encontro com sua voz
Natália Zuccala nasceu em São Paulo, em 1990. É autora do livro de contos TODO MUNDO QUER VER O MORTO (Patuá, 2017) e do romance CHEIA (Urutau, 2021, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura). Formada em Letras pela FFLCH-USP, é também dramaturga, professora e está em formação como psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae.