3 poemas de O duplo refletido, por Lorraine Ramos Assis

por Lorraine Ramos Assis
Arte: Choctaw Belle, de Phillip Romer.

Lorraine Ramos Assis (@catarsesoculares), de 26 anos, é poeta, resenhista e editora. Foi publicada em diversas revistas/jornais nacionais e estrangeiros, tais como Jornal Cândido, Cult revista, Relevo, Granuja (México) e Incomunidade (Portugal). Colabora para São Paulo Review e Revista Caliban, além de integrar o corpo de poetas do portal Fazia Poesia. Pesquisa sobre a marginalização feminina em obras ficcionais/biográficas. O duplo refletido (Folhas de Relva, 2023) é seu livro de estreia.


No Brasil, século dezenove, discutiam sobre a mulher gozar dos mesmos direitos da herança no decreto 181. Obstáculos não mais existiam, mas sim uma arquitetura de um mesmo sobrenome a desfrutar os direitos dos filhos. Não importava a decisão profissional de nossos companheiros, ou a educação dada a quem foi parido nesses mares. Na França, os obstáculos eram garantidos pela confiança na organização hierárquica com barras.
Barras memoram prisões.
Quero sair desse cômodo e nunca mais voltar. Olhar para a face fluvial do mirante azul, a que reconheço desde os afogamentos. Entoar o que me tornaram e falar a língua daqueles a terem me conferido induções dramáticas. Sempre gostei ou melhor, me forcei a ser o palco. E no palco exprime-se imagem e essência, confundindo o telespectador como coautor dos malabarismos linguísticos. E assim fujo.
Polida: se minha fala está feita de extravagâncias, conjuntas às maiores obsessões, na vida sou um silêncio para quem a face é demolida tal qual um imóvel ou um espólio de antigos maridos.



Onde eu estava?

Eu não me lembro.
eles fatigam meu nome, mas não me lembro.
Lili.
Parei. Pensei na própria regata preta e no canal revisitado perto da lanchonete.
As vias estavam obstruídas, não havia mais caminho a ser percorrido.
Lili.
Lineia.

Era esse o meu nome?

Flor de tulipa rasgada, libero o pó para que saiba
Ainda vivo
Mesmo não sabendo onde
Amnésica
Caminho sem mais mastigar a barbárie
Recordo-me a perpétua luz projetora do futuro daquele que me disse

Somos todos sonhadores. Mas quem está sonhando?


sentindo o ar preso em corpo de perpétua fuga
consegui fisgar um semblante de madeixas pretas nariz adunco
o olhar a que chamavam

a doçura enigmática fora do escudo marmorizado

contudo a garota (ou qualquer coisa a ser) contornava tanto os seus gestos que as madeixas
por desespero foram cortadas uma a uma e essa pessoa de tanto assinar e esconder o
último sobrenome daquele homem sentia não existir mais

se ela não sentia nada desde tenra idade

quem era eu, afinal?

Lineia
Ou
Lyna?


Você acabou de ler trechos de O duplo refletido (Folhas de Relva, 2023), livro de estreia de Lorraine Ramos AssisGostou dos poemas? Adquira-o clicando aqui!

Mais sobre a obra

Lyna e Lineia são vítimas de uma injustiça. Um crime. Em O duplo refletido, há a reconstituição. Através de memórias, imagens, cenários e pistas falsas e verdadeiras, adentramos os sentimentos quase impenetráveis do trauma. Seriam Lyna e Lineia a mesma pessoa? Ou um mesmo corpo feminino violado, que não mais luta para respirar, mas grita uma história?

Como observa Mar Becker na orelha: “Talvez coubesse dizer que O duplo refletido faz o caminho de uma ‘poética-em-estado-de-dodecafonia’. Às vezes, temos a impressão de que se trata de uma linguagem criptografada, ao mesmo tempo familiar e forasteira. Outras vezes, que deveríamos fechar os olhos e ler com a ponta dos dedos – como se, independentemente da plataforma de impressão, Assis fizesse sempre um texto em autorrelevo. Em corpo. Aqui comigo mesma penso que se trata de um livro-conjuro. Como são os oráculos.”


Arte: Choctaw Belle, de Phillip Romer.

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