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A violência é um dos signos marcantes da literatura latino-americana. Num recorte mais simplório, e nem por isso incorreto, seria possível dizer que, do ponto de vista dos espaços de ficcionalização da violência, há autores que recorrem a mundos oblíquos ou imaginados, e autores que recriam a realidade doméstica mais ordinária. Eu não disse, estreia de Lara Haje na ficção, persegue sem dúvida o segundo caminho.

SOBRE

A violência é um dos signos marcantes da literatura latino-americana. Num recorte mais simplório, e nem por isso incorreto, seria possível dizer que, do ponto de vista dos espaços de ficcionalização da violência, há autores que recorrem a mundos oblíquos ou imaginados, e autores que recriam a realidade doméstica mais ordinária. Eu não disse, estreia de Lara Haje na ficção, persegue sem dúvida o segundo caminho.

Desdobrando-se, simbolicamente, entre uma Silvina Ocampo e uma María Fernanda Ampuero, a autora coloca o espaço doméstico no epicentro dos conflitos sociais. A casa e a família, representações ideais de albergue e contenção, escondem e esparramam toda sorte de ameaças: distúrbios alimentares, vícios, depressão, suicídio. Perfazendo uma espécie de “pré-gore”, Lara Haje expõe as vísceras de tudo aquilo que, como promessa ou fingimento, acostumamos a chamar de familiar.

Lara Haje

Lara Haje é jornalista e mestre em Políticas de Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), trabalha como repórter na agência de notícias da Câmara dos Deputados. Co-autora do livro Paúra – um mergulho na síndrome do pânico (2018). Ficou em 5º lugar no Prêmio Off Flip 2023 na categoria crônica, com “Tijolos de isopor”, e uma das 15 finalistas do III Prêmio Anna Maria Martins (2023), da União Brasileira de Escritores, com o conto “Merda, em árabe”, além de uma das autoras classificadas do II Concurso Literário Philos Mulher 2024, com o conto “Como se sobrevive a uma coisa dessas”. Eu não disse (Cachalote, 2024) é seu primeiro livro de ficção.

Trecho

Do conto: “O espelho”

Se pudesse se livrar de cada dobrinha, cada pedaço desta carne nojenta, a pele: tudo sobra nesta pança, neste corpo cilíndrico; vomita, se esvazia, e depois ele todo infla de novo. Se pudesse cortava fora era com faca, um cortezinho, e outro, sangue sujo e bonito, se pudesse sair junto a gordura amarela, intestino grosso, esta merda toda apodrecida e ressecada, melhor um rolo de cozinha, amassar a barriga, parece mesmo um pão, deitar no chão, abrir a massa igual pizza, afinar.

Peso 181 g
Dimensões 14 × 1 × 21 cm

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