as linhas vermelhas

as linhas vermelhas

por Gustavo Moretti Duarte

24 de setembro de 2024

as linhas vermelhas

em andar subsolar
precariamente escorado no raiar antecipado das barras do trem
avanço delongo estações
tomado pelo estalo que faz o espaço entre os trilhos da madrugada

(engenho sutil da natureza
abafa o encontro selvagem dos órgaos ordenados a sonhar)

gotas agudas
do chacoalhar inerte
embalam o comboio
que vai somando cardíacos insuficientes
no aperto de cada parada

aos minutos ocorre a luz febril
que encerra o crepitar das vias férreas
conciliadas no silêncio
do corpo que conta já possuir mais braços que pernas
ao escorregar pela aorta

– dilatação pelo lado esquerdo do tórax

quem nasce em Bacurau é o que?

gosto de andar com gente bonita
esquisita de todo circo
gente que a vida é tão vida
que no ato de estar
excita
gente que anda exibindo que é isso
gente
que se gosta tanto
que ao acaso a gente imita
gente que grita e irrita
gente que anda despida pra ver e ser
vista
como era
como quer
como dá
como gente
sem prazo de eternidade
gente que sabe só
lamber a verdade que sente
entre a carne
até esquecer
que é gente

logradouro

sobressaltado
abro os olhos
– é o vizinho outra vez
logo cedo aquela maldita furadeira
não acaba nunca essa mudança!?

levanto para mijar
o sabonete me alerta
– não estou em casa
subitamente reconheço o silêncio do último andar

atormentado
na vígilia
– era meu peito
quem me acordava
sem remetente

“Linhas Vermelhas”: arte de Marcela Castro (https://aboio.com.br/tag/marcela-castro/).

Gustavo Moretti Duarte, 27, São Paulo.
De poeta apenas a passagem fracassada pelo largo São Francisco.
De resto, em formação.