a trincheira da palavra na fronteira d’água

a trincheira da palavra na fronteira d’água

por Deanna Ribeiro

24 de setembro de 2024

A trincheira da palavra na fronteira d’água

Se eu não fosse gente seria água
um rio de leito largo que atropela
e na enchente leva pasto planta casa
ou maré alta que puxa pra dentro dela

seria córrego que corre manso
arredondando pontas de pedras
no caminho de terra aberto
há tanto tempo

seria chuva que desce rápida e sobe mormaço
calor que vem de baixo cheirando as pernas
até zumbir na cabeça
ou o suor no caminho inverso

se eu não fosse gente
certamente seria foz ou fonte
a baba da boca de quem dorme
ou a saliva de quem tem fome

Outra forma de matéria

À Monique Lima

palavra minha
mordida por lâmina precisa e dura

úmida de tua língua a moldar-lhe formas
ainda mais sentidas

fundos

vindas do abismo da garganta

antes

palavra minha
teu sopro em seguida

vida da boca de um deus-fêmea
as origens as primícias de tudo

em tua acústica palavra minha
um big bang quase sem barulho

Foto: Luisa Machado (https://www.behance.net/luisamachado)

Deanna Ribeiro é de Olinda-PE e graduada em Letras pela UFPE. Em 2012, publicou o livro autoral de contos “As mulheres que não cabem em mim” pela Editora Multifoco e , desde então, vem escrevendo sob o comando das forças do tempo e do vento, sem compromisso com a regularidade. Participou de antologias poéticas em meios físico e digital; dentre elas, “Quem dera o sangue fosse só o da menstruação“, Editora Urutau (2019). Tem outros de seus poemas publicados pelas revistas Subversa, Toró Editorial, Poesia Avulsa e Ruído Manifesto. Costuma divulgar suas artes, através do instagram @deanna_ribeiro