GÊNESIS

GÊNESIS

por Daisy Serena

24 de setembro de 2024

GÊNESIS

I

toco seu coração
com a ponta do sol em meus dedos
um movimento tão simples
ninguém diria que dele se fundou
toda escuridão

II

depois, foi assim


no começo do princípio
a noite escura reuniu
o calor àqueles corpos
espraiados sobre o dorso
de trezentos sussurros

III

sem quaisquer escrituras
atravessamos florestas e dunas
dançando nossa cosmologia
feito comida de comer com

as unhas
(cada movimento um punhado de
histórias nas bocas quentes de
fogueira)

IV

nunca se soube de palavra pecado
pois nada se criou do escuro para ser
condenado

(black is a bless
bençãos e axé)

V

tateio sua língua estrelar
e o futuro é nosso passado
todo transcrito nesse sabor

VI

carregar os tons das noites é nossa maior origem.

VII

passeio meu rosto em sua pele
decorando seus olhos fechados
assim, fez-se a manhã.

no puerpério da alvorada a
escuridão descansou (era o sétimo dia.)

DOMINGO

ainda, às vezes,

levar uma solapada à tardinha,
aos domingos
faz lembrar uma tal vida comum,

melancolia despropositada

cafezinho, docinho,
aquele vento de surpresa obriga segurara saia
entre os joelhos acinzentados

é tão bonito,
nem parece o mundo se acabando

fogo se espraiando dentro do ferro fundido.
camadas de derme e saudade

mais abaixo,
florestas que os homens bons soterraram
até sobrar apenas o esquecimento da folha

cimento e piche sobre sangue
a técnica (é sempre) mista.

Daisy Serena é artista visual e escritora. Autora de Tautologias (Padê Editorial, 2016). Exposições: FotoPreta (Afrotometria, 2018 e 2020); Ocupação Olhares Inspirados: Raquel Trindade (2021), Studio Solaura (Berlim, 2022), Afeto e Memoria (2023). Outras Publicações: Menelick 2º Ato, Doek! (Namíbia), Garupa, Escamandro, Chão da Feira, Ruído Manifesto, Feminist Press.