medidas de tempo

medidas de tempo

por Paula Maria

24 de setembro de 2024

medidas de tempo

átimo
instante
logo mais
ainda agora
rapidinho
pisquei e perdi
demorado
atraso
um flash
num pé e volta noutro
nem molhou o bico

comer mangas

as garras do bicho
cravada entre as pernas
afundadas na carne
das coxas
ocre sangue jasmim
os olhos atentos
alarmados
presentes
espiando o futuro
que vira a esquina do tempo
logo ali, mais tarde
é tempo de comer,
– agora
não haverá tantos amanhãs
tens fome e não sabes pedir
arranca de quem tem
apenas de quem tem mais
respira a fuça suada
não larga porém
as coxas trementes
metal ferro brilhos
abertura do tempo
janelas ou portas
quase lá, veja bem
os olhos entreabertos
medo e curiosidade
ao bater a meia noite
afrouxa, recolhe as garras
descansar
talvez amanhã
talvez nunca mais.

sintaxe

segundo a árvore linguística
não podemos dizer
pedra come maçã
isso cunhou chomsky
um homem
também foi outro que disse
eva comeu a maçã
muitos outros homens
vieram desde então
e nenhum ousou dizer
a maçã comeu a eva
ou que a maçã não quis
– o homem
não só porque
não se pode na árvore linguística
é que os homens
de nada sabem da poesia
só sabem de pedra.

cidade alerta

todo lugar pode ter sido
cenário para um crime
ou o melhor dia da vida de alguém
todo lugar esconde alguma coisa visível
penso nisso enquanto cato cacos de espelho
na calçada quente enquanto espero o ônibus
e rezo para não ser assaltada

estou sozinha
esse sempre é o cenário ideal
para um crime
ou pro melhor dia da minha vida.

o som dos pássaros
quando acaba de chover
anunciam:
eu caçarei aquilo que não tem nome

Paula Maria é escritora, psicóloga e artista visual, investiga a poesia em todos estes fazeres. Publicou Primeiros Pedaços (Ed. Pedregulho, 2022) e Caminhos curtos para caracóis (Ed. Urutau, 2023). Em 2022, foi finalista do Prêmio Off Flip de Literatura na categoria Poesia.