Modo sobrevivência

Modo sobrevivência

por Déborah Bacelar

24 de setembro de 2024

modo sobrevivência

depois de longas atravessadas
e reflexões estomacais
um decreto veio à tona:
loucura noturna

aquela que grita o silêncio
e namora o fitoterápico

nesse meio tempo uma acidez
sibilou nuances de certezas
o sono não chega porque cansa pensar
e cansa mais saber

mas disseram-me na saleta virtual
o segredo desse dilema
deixar os pontos cirúrgicos abrirem
ajuda no processo de cura

signos

I.
caminho pelo vale
observo pele e cheiro
de suor seco
espalho cara-cobra
nos ares e continuo

II.
fui na esquina
vi roupa molhada no
varal de pau quebrado
só farpa no dedo
e na pele oleosa

III.
encontrei secura
em copo cheio
e bico ouvinte de pássaro
com pena cortada
impedido de voar

criatura

a terra cuspiu
de sua boca amarga
um ser estranho

ser – criatura – carga
pesadíssima
não floresceria

a placenta de grãos desfizera-se
rejeitou o pedaço encorpado em apoteose
não serviu para a terra, servirá para os homens
brilhará como diamante
descansará como bacamarte

o nada será o único espaço-casa
terá uma semivida
sem origem, sem idioma
sem linguagem para contaminar

Déborah Bacelar mora em Manaus. É professora e escritora. Publicou seu primeiro livro de poemas, Desejo absoluto, em 2022, pela editora Urutau. Acredita, sobretudo, que a palavra (trans)forma a carne, o ser e a vida.