7 poemas de João Paulo Bense

por João Paulo Bense
Arte: Storm Clouds Lifting, Southern Colorado, de Charles Partridge Adams.

João Paulo Bense é professor, graduado em Letras pela Universidade de São Paulo, mestre em Literatura Brasileira pela mesma Instituição. Nasceu e atualmente vive em São Paulo. Defendeu em 2017 a dissertação “Negaça, negócio, negação: análise dos contos de João Antônio”, sob a orientação do professor, editor e poeta Augusto Massi. Atualmente, faz doutorado sobre a poesia de Vinicius de Moraes, e as relações entre poesia e cinema.


Intermédio elegíaco

I.
A janela mais cruel é a que revela a minha carne
no amarelo atrás da linha demarcada
no desfile dos vagões em sucessão
e nas portas que me esperam
em movimento de cinema ainda de berço
ou mock-up digital enfrento o corte das imagens
até que se comportem sem excesso largo
ar a uma semente em subsolo
contra os vidros do vagão afora o escuro
do naufrágio em nosso último reflexo
eu fui o pai que ainda não fui
minha imagem me pedia ser um outro
santo um homem que não fui
neste abraço em que me lanço contra as vigas
e você, a mim
do nosso filho
nós vencíamos o medo de termos nossa carne
do vaso desenhado pela sua geometria
exsurgidas cinzas
as suas asas
lilás-laranja
abertas eu soprava dos seus orifícios os ciscos
com cuidado eu removia dos seus olhos pólen
rompia o pé direito baixo
espalhando a terra
pelos ralos sifonados pesticida
sobre nossa roupa branca
como um rito

ainda que uma dúvida menina sibilasse
encarando-nos o olhar pela miragem
interna e fissurada da Composição.

II.
O meu amor está na dobra de horas iguais
na pulsação de um céu magenta.
O meu amor está nos talheres de plástico,
o meu amor está na pátina da minha pele.

O meu amor derretia ídolos de cera
com seu hálito de uvas brancas.

O meu amor pensava o terceiro anjo
e com sua carne alimentava onças na gaiola.
O meu amor escamava o nosso filho
enquanto enrolava à linha latas de alumínio.

O meu amor comeu as minhas mãos
depois de ter bebido o meu suor.

O meu amor ventila as faíscas do ferro.
O meu amor se manifesta pela psoríase.
O meu amor explode convulsa contra muros
se jactando da própria violência.

O meu amor se espelha na lateral dos carros
e valsa tibiamente a melancolia.

O meu amor lambia a pelúcia dos gatos,
com sua saliva iluminava ídolos submersos.
O meu amor ondulava o silêncio.
Por sob a sua o meu amor despiu seis saias.

O meu amor sucedia ao encontro das águas.
O meu amor dava cor aos corais.

O meu amor é adesivo em língua perdida.
O meu amor é o rugido marinho.
O meu amor são bolas de isopor
boiando no leite do seu seio de pedra.

Contra a parede viva do canal do mar,
o meu amor de sim, de morte e de coñac.

III.
Nasci duma nuvem diferente, dourada,
mas pirita pela uretra.
Tenho a impaciência da mulher de frente ao homem que se masturba.
Até que se ordenem as cenas na sua cabeça
e ele me veja como seu pai, incentivando-o,
ou sua filha sua mãe
quanto tempo mais?
eu espero.

OS PLÂNCTONS NO DOCE

Se você chutar
Atordoada
A cabeça de Deus
As águas verdes
Talvez assinta
Iluminam.
Irrefletida
Se você dançar
Uma estrela
Morrendo
As cabeças de Deus
Alimenta.

V.
Ouvi besouros varrerem a manhã
eram vassouras, gente da limpeza
lembrando que há trem
de carga e sobe a caixa
a água num gozo
mimetiza o urro original em U
arrulhando, arrulhando
tarda madrugada.

Faria a língua binaural
o cheiro de Giovanna Baby azul
guiando a sola branca
meus escarpinhos
se granula na areia
e postar minha agonia?
como a sacerdotisa pornográfica
suas diademas, sonhos, esfinges…

Liso de pedreira em Araraquara
talvez em Monguaguá
e rarefazia a cachoeira
o ar secando a minha garganta
ô, Bruno… E desse grito
guturoso – não sei outro
acordo todo o dia, arrulhando…
Arrulhando… O pombo.

VI.
A montanha de Gauri-Shankar
a aura fresca da umidade do seu alto
arrepiando os meus ouvidos
e aos poros do meu braço
dando forma de um ouriço me disse sobre a aura
irreproduzível
que tem a idiotice dos cachorros
em revirar os lixos das praças no peso que carregam a água do mar
nos seus pelos
no jeito com que eu os mimetizo quando na sua porta
franzo a testa sulco as linhas óleo a pele
e arco a boca emagrecendo
como a linha branca contra o fundo de mergulho azul
dela mesma
a montanha de Gauri-Shankar.
A montanha de Gauri-Shankar
desovando a nossa ossada
perdeu seu próprio passaporte
e se espraia.

VII.
Sob a lua que se eleva
Sobre a ilha de Goreia
Os Anjos do mar.
Que diriam seus olhos
A ver, submersos
A estrela de Davi
E a sua luz neon?

O círculo do mar
Flor de galalite nada
Sibila. Submergindo
Os Anjos do mar
Revirando spirituals
Pagam a apólice
Cantam. Silenciam.


Arte: Storm Clouds Lifting, Southern Colorado, de Charles Partridge Adams.

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