notas sobre a pelúcia

por André Balbo
discurso da onça - josé francisco borges (j.borges), para andré balbo

…disse e repito: seria preciso resgatar a
minha história pr’eu abrir mão dessa orfandade
Raduan Nassar, Um copo de cólera

I.
Em junho de 2013, às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, a Polícia Ambiental deflagrou a Operação Cybele, que capturou oito filhotes de onça-parda em uma fazenda de Novo Horizonte (SP). Elas foram encontradas sem a mãe, nas margens do Córrego do Coqueiro, por um dos empregados da propriedade rural. As onças órfãs foram transportadas para o Zoológico Municipal de São José do Rio Preto, onde um grupo de veterinários e biólogos, repetindo um experimento realizado em um zoológico do Kansas (EUA), descobriu que sete dos oito filhotes conseguiam usar bichos de pelúcia para arremedar o aconchego materno. De acordo com uma analista e bióloga ambiental do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama, a pelúcia simula uma situação maternal necessária para o desenvolvimento adequado das onças, que na natureza se agarram aos colos das mães até conseguirem andar com as próprias pernas. No caso das onças-pardas, o tempo de reabilitação com uso de “mãe postiça” é de oito a nove meses. Bem-sucedida, a estratégia foi rapidamente difundida para zoológicos de outros estados, apesar do silêncio dos biólogos e analistas do zoológico de São José do Rio Preto, que não chegaram a uma explicação cientificamente satisfatória para dar conta do que aconteceu depois de oito meses, na reta final da reabilitação, quando Banzai, a onça-parda que não se agarrava às pelúcias, matou um dos irmãos, cegou o veterinário e fugiu para a mata, sendo encontrada depois de alguns meses na fazenda de Novo Horizonte.

II.
Tempo de escuridão, sem memória.
(Milton Hatoum, Órfãos do Eldorado)

III.
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IV.
Tudo é uma festa de sons
Só tem que escutar com atenção
A porta faz uam!, a chuva faz plin!
O vento faz shhh!
E eu te amo, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá

V.
Na Wikipédia, consta para o verbete “Melampo” que, na mitologia grega, foi ele um famoso adivinho que conquistou, através de seus poderes, um terço do reino de Argos para si e outro terço para seu irmão Bias. Dizê-lo famoso é um sonoro exagero; não fosse a furtiva existência do verbete – revelada depois de três sorteios de página aleatória, que primeiro levaram aos verbetes “Efeito De
Haas-Van Alphen”, “Manuel Mujica Láinez” e “Vespa-mandarina” –, três terços das pessoas tomariam “Melampo” por marca de fralda, espécie de cisto inflamado ou alguma reedição do pula-pula do Gugu. Em compensação a esse recreio de acasos, interessa saber as circunstâncias em que o personagem se tornou adivinho. A lenda, que está nas páginas de Homero, Ovídio e Pausânias, conta que Melampo era um curioso da natureza, sempre observando os bichos e as plantas em sua casa em Pilos. Certo dia, um dos seus servos matou um casal de cobras que vivia no oco de um carvalho, poupando os três filhotes que, sem os pais, pereceriam. Indignado, Melampo enforcou o servo e resgatou os filhotes, para os quais proveu alimento e abrigo. Já bem crescidas, em uma tarde qualquer as cobras aproveitaram o sono de Melampo, que descansava sob o carvalho, e limparam-lhe os ouvidos com a língua, provocando cócegas indevidas que o fizeram acordar assustado. Levantando-se, ele percebeu que compreendia a canção das nuvens, o balanço dos galhos e os sons dos pássaros acima dele, que conversavam e transmitiam mensagens, as quais ele passou a interpretar e referir aos homens predizendo o futuro. Essa seria a origem, afirmam alguns filólogos e historiadores, da famosa expressão “cutucar a onça com a vara curta”. Ou coisa equivalente.


André Balbo é escritor e editor da Lavoura.

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